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Íris Cristina Pierini Bonfanti    |   19/05/2025   |   Lean na Indústria   |  

Na indústria, cuidado com o “oitavo desperdício”

Exclusiva

Ele corresponde ao não aproveitamento do intelecto, da inteligência, da criatividade das pessoas

Já são conhecidos os famosos “7 desperdícios” típicos de uma indústria com gestão tradicional, que foram categorizados pelo lendário engenheiro da Toyota, Taiichi Ohno, autor do renomado livro “O Sistema Toyota de Produção”, de 1988: superprodução, processamento desnecessário, transporte, movimentação, espera, estoque e correção.

Embora não seja frequentemente mencionado, pode-se considerar que há um “oitavo desperdício” que pode ser tão ou mais negativo quanto todos os outros: o não aproveitamento do intelecto, da inteligência, da criatividade das pessoas.

Na prática do sistema lean, acredita-se que as pessoas mais qualificadas para melhorar os processos são aquelas que estão mais próximas dos problemas. Muitas vezes, esses indivíduos não têm a oportunidade de contribuir para a resolução das falhas, seja por estarem muito envolvidos com suas atividades ou devido à percepção equivocada de que não possuem capacidade suficiente.

Quando deixamos de aproveitar todo o conhecimento das pessoas que estão próximas ao local onde o problema acontece, estamos desperdiçando ideias que poderiam melhorar e muito a rotina e consequentemente o resultado do negócio, além do risco de tomarmos ações equivocadas na tentativa de resolver um problema.

Esse desperdício parece ser “inofensivo”, mas se pensarmos nas consequências que pode trazer ao negócio, ele se torna gigantesco.

Tenho um colega que sempre fala: “não temos crachás que passam na portaria todos os dias, temos mentes”. A experiência mostra que boas ideias surgem das pessoas próximas aos problemas. No entanto, frequentemente não oferecemos oportunidades para que essas pessoas sejam ouvidas. As justificativas são várias: “Não podemos tirar as pessoas das linhas de produção, pois não atingiremos a meta...” Isso não é o ponto em questão.


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Precisamos encontrar maneiras de ouvir verdadeiramente nossos colaboradores. Perdemos a conta de quantas vezes ouvimos de colaboradores que eles já cansaram de falar sobre determinado problema ou que até mesmo já deram uma sugestão e nunca tiveram retorno. Isso é um descaso e um desperdício. Os gestores têm a obrigação de dar uma devolutiva. Faz parte do comportamento de um bom líder.

Esse ato continuado pode criar percepções como “aqui não adianta falar” ou “já falei sobre isso e nunca recebi retorno” ou até mesmo “aqui é assim mesmo”. A sugestão para reverter essa situação é envolver as pessoas no processo de resolução de problemas, pois todos têm capacidade para colaborar. Caso os indivíduos ainda não sejam capazes de ajudar, cabe à gestão capacitá-los. É fundamental que a gestão torne todos, em todos os níveis da organização, solucionadores de problemas.

Uma sugestão que pode ser aplicada e que sempre traz resultados positivos é envolver as pessoas em grupos de melhoria e dar a chance de ouvi-las de verdade.

E já que falamos desse “oitavo desperdício”, vamos relembrar os outros sete, brilhantemente categorizados por Taichi Ohno, um dos engenheiros mais jovens da Toyota, que foi um grande “caçador de desperdícios” e que recebeu a missão de aumentar a produtividade da montadora que, à época, ao ser comparada com as americanas, era oito vezes menor.

Superprodução

Produzir a mais ou antes do necessário. É considerado o pior dos desperdícios, pois acaba gerando todos os outros.

Espera

O próprio nome já diz tudo. Toda vez que temos pessoas ou máquinas esperando algo (material, informação etc.) temos um desperdício. As esperas geram interrupções no fluxo, o que geralmente gera correrias para compensar. Comumente, a consequência é aquele “corre-corre” que é bem ruim para tudo e todos.

Processamento desnecessário

Quantas vezes fazemos atividades que depois são desfeitas? Colocar na caixa para depois retirar da caixa? Conferir duas ou três vezes o que já deveria vir conferido corretamente? Geralmente temos processamento desnecessário em atividades que deveriam ser uma exceção, mas, por alguma razão, isso acabou virando uma regra depois de algum evento. Quando não fazemos o pior, que é automatizarmos ou digitalizarmos etapas que nem deveriam existir.

Estoque

Aqui falamos do estoque além do necessário. Muitas vezes ouvimos que no sistema lean buscamos o estoque zero, o que é uma falácia, pois o que precisamos é o menor estoque possível e que garanta fluidez no fluxo. Porém, para que isso aconteça, precisamos atacar as fontes de instabilidades, pois não dá para ficar compensando a falta de estabilidade aumentando os estoques e consequentemente os custos. Costumamos falar que “cada empresa tem o estoque que merece”, pois o estoque é consequência de boas ações. Precisamos merecer um estoque menor.

Transporte

Nesse desperdício, estamos falando dos produtos ou materiais sendo transportados de forma desnecessária. Sabemos que todo transporte envolve custos, pois estamos utilizando um recurso que poderia ser evitado e que muitas vezes acaba prejudicando outra etapa que compartilha do mesmo recurso.

Movimentação

Nesse desperdício, estamos falando da movimentação de pessoas. As pessoas são o recurso mais nobre dentro do fluxo. Assim, deveriam estar sempre em atividades de agregação de valor. No entanto, o que mais vemos são pessoas se movimentando ou em busca de materiais ou em busca de informação. É bem comum mapearmos a quantidade de passos das pessoas, e esses passarem de quilômetros por dia.

Correção

Esse desperdício talvez seja o que mais ocorre nas indústrias. Muitas delas têm já o local e a equipe do retrabalho. Ou seja, o princípio de se produzir certo da primeira vez foi quebrado, e gastamos tempo, pessoas e recursos para refazer, corrigir ou retrabalhar o que foi feito.

Para Ohno, os desperdícios são todos os elementos que, além de não agregarem valor nos processos, prejudicam os custos. Devido a isso, devem ser identificados e eliminados na fonte, para que, dessa maneira, a lucratividade possa ser maximizada. Outro ponto que Ohno defendia era que os desperdícios são ocultados na produção por serem vistos como “normais” ou “intrínsecos” do processo produtivo. Por isso, não são facilmente identificados. Ou seja, precisam ser enxergados para que, com isso, busquemos a máxima eficiência.

*Imagem de capa: Depositphotos.com

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Íris Cristina Pierini Bonfanti

Head para Indústrias de Processos do Lean Institute Brasil (LIB)

Lean na Indústria

Conceitos, práticas e a jornada lean sob a ótica dos heads do Lean Institute Brasil especializados no setor industrial